Vocabulário Jurídico

Esse ano, uma das minhas aquisições, mas do que necessárias, foi um dicionário jurídico. Acho que é um item importante na biblioteca dos estudantes de direito, que precisam ler doutrinas jurídicas, mas não é o tipo de coisa que uma pessoa que não estude ou trabalhe com direito vá ter em casa.

Daí que muita gente leiga não consiga entender o que está acontecendo com os seus precessos. Isso, ao meu ver, ajuda a aumentar o sentimento de insegurança, desconfiança, etc. Parece às vezes que a sentença é um resultado de exame médico, você vê aquele monte de informações, mas não consegue entender o que está acontecendo.

Às vezes precisamos de conceitos mais complexos para construir uma idéia, para explicar um conceito, para defender um ponto de vista, mas será que não podemos simplificar um pouco mais? Para algumas pessoas tanto faz ler uma sentença com um português jurídico extremamente técnico ou uma sentença em inglês, será que isso não gera um problema?

Quando eu leio um texto, há situações nas quais eu dou risada da quantidade de palavras dificeis usada para dizer uma coisa que podia ser expressada de maneira muito mais simples, mas hoje eu achei engraçado ler a notícia que saiu no conjur sobre uma sentença da Bahia, na qual o juiz supreende pelo linguajar extremamente simples. Não gosto de ficar reproduzindo, mas não da para evitar de colocar alguns trechos aqui:

Vou direto ao assunto. O marceneiro José de Gregório Pinto, certamente pensando em facilitar o contato com sua clientela, rendeu-se à propaganda da Loja Insinuante de Coité e comprou um telefone celular, em 19 de abril de 2005, por suados cento e setenta e quatro reais. Leigo no assunto, é certo que não fez opção por fabricante. Escolheu pelo mais barato ou, quem sabe até, pelo mais bonitinho: o tal Siemens A52. Uma beleza! (…)

Para sua surpresa, diferente das boas ferramentas que utiliza em seu ofício, em 21 de junho, o aparelho deixou de funcionar. Que tristeza: seu novo instrumento de trabalho só durou dois meses. E olha que foi adquirido legalmente nas Lojas Insinuante e fabricado pela poderosa Siemens… Não é coisa de segunda-mão, não!(…)

Para aumentar sua angústia, a Siemens disse que seu caso não tinha solução neste Juizado por motivo da “incompetência material absoluta do Juizado Especial Cível – Necessidade de prova técnica.” Seu Gregório: o que é isto? Ou o telefone funciona ou não funciona! Basta apertar o botão de ligar. Não acendeu, não funciona. Prá que prova técnica melhor?(…)

O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para dizer ao Juiz do Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar um telefone que custou cento e setenta e quatro reais? É, quem pode, pode! O advogado gastou dez folhas de papel de boa qualidade para que o Juiz dissesse que o caso não era do Juizado ou que a culpa não era de seu cliente! Botando tudo na conta, com certeza gastou muito mais que cento e setenta e quatro para dizer que não pagava cento e setenta e quatro reais! Que absurdo!(…)

Está certo Seu Gregório: O Juizado Especial Cível serve exatamente para resolver problemas como o seu. (…) Além de tudo, não fizeram prova de que o telefone funciona ou de que Seu Gregório tivesse usado o aparelho como ferramenta de sua marcenaria. Se é feito para falar, tem que falar! Pois é Seu Gregório, o senhor tem razão e a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, a Loja Insinuante lhe devolver o dinheiro com juros legais e correção monetária, pois não cumpriu com sua obrigação de bom vendedor. (…) Também, Seu Gregório, para que o Senhor não se desanime com as facilidades dos tempos modernos, continue falando com seus clientes e porque sofreu tantos dissabores com seu celular, a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, que a fábrica Siemens lhe entregue, no prazo de 10 dias, outro aparelho igualzinho ao seu. (…)

Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu “extra petita”, quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a decisão não preenche os requisitos legais. Não se incomode. Na verdade, para ser mais justa, deveria também condenar na indenização pelo dano moral, quer dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro cessante, quer dizer, pagar o que o Senhor deixou de ganhar.

No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.

Desculpem se ficou meio grande, mas é que eu não quero correr o risco de alguém não clicar no link do conjur e deixar de saber do que se trata, porque realmente vale a pena ler.

Eu partircularmente adorei! Com certeza o Sr. Gregório entendeu direitinho a sentença. Eu acho essa uma ótima maneira de o magistrado proceder, especialmente nos juizados especiais, em que uma das funções é justamente desburocratizar e garantir o acesso à justiça.

É disso que eu estava falando no começo, eu entendo a importância de nós, operadores do direito, bem como dos cientistas do direito, conhecermos as expressões técnicas e tudo o mais, mas será que as pessoas leigas, que procuram seus direitos não devem ter a possibilidade de entender a sentença que é prolatada sobre o seu proprio caso?

Eu entendo que nem sempre isso é possível, existem casos nos quais é muito difícil deixar tudo bem explicadinho sem diminuir elementos da propria decisão, mas não custa fazer o máximo possível, não é?

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PS: Não consegui acessar a decisão direto pelo TJ da Bahia, então da para encontrar a sentença no site do conjur e também no site do Juiz Gerivaldo Alves Neiva que prolatou essa sentença. O número do processo é 0737/05; a sentença é de Conceição do Coité, Bahia, 21 de setembro de 2005.

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No Responses

  1. Jonny says:

    realmente o Brasil precisa de profissionais que entendam que as pessoas para quem eles indiretamente trabalham não entendem nem um texto simples…

    Comentei o texto no meu blog :)

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