Como esse ano em Direito Civil vou estudar Direito das Coisas, resolvi dar uma lida na matéria de Direito Romano do primeiro ano, já que o tema Direitos Reais esteve bastante presente no curso. Assim, decidi escrever sobre o assunto. Na verdade é mais uma releitura do Resumo de Direito Romano que eu já publiquei aqui.
Um dos pontos principais para começar essa matéria é saber a diferença entre Propriedade e Posse. Hoje vou falar apenas da propriedade, que já é bem complexa, depois volto ao assunto para tratar da posse e de outras questões relacionadas.
PROPRIEDADE:
De acordo com Thomas Marky a propriedade é um “poder jurídico absoluto e exclusivo sobre uma coisa corpórea”, é uma relação direta e imediata entre o titular do direito e a coisa. A propriedade tem dois sentidos:
1. Sentido Positivo: É o direito que o titular tem de usar, gozar e dispor da coisa.
2. Sentido Negativo: É a proteção que a propriedade tem contra turbação por parte de terceiros. Ou seja, a propriedade é exclusiva do titular do direito e todos os demais tem a obrigação de respeitá-la. Assim, o proprietário possui o Direito de Seqüela que consiste no direito de perseguir o seu bem e retirá-lo de quem quer que seja.
Disso resulta que uma das principais características dos direitos reais é que eles se impõe erga omnes, isto é, contra todos (em oposição aos direitos obrigacionais, que só obrigam as partes do contrato).
Apesar de o poder jurídico do proprietário ser, a princípio, ilimitado, existem situações que podem limitar esse poder seja pela vontade do proprietário ou em virtude do interesse público. Em Roma houveram diversas espécies de limitação, como a utilização publica da margem que deve ser tolerada pelo proprietário de um terreno ribeirinho; a manutenção das estradas marginais ao terreno; os casos de proibição de demolição sem autorização; o dever de permitir o recolhimento dos frutos caidos de arvores do terreno vizinho; o fluxo normal das aguas, a proibição da venda do terreno dotal, etc.
Havia quatro tipos de propriedade no Direito Romano:
1. Propriedade Quiritária: Exclusiva dos cidadãos romanos, podendo ser qualquer coisa corpória in commercio (+) exceto os terrenos provinciais.
2. Propriedade Pretoriana: Esse tipo de propriedade surgiu para atender as necessidades do comércio. Trata-se do modo encontrado pelo pretor para garantir a propriedade das res mancipi adquiridas de boa fé, mas sem as formalidades necessárias para a transferência desse tipo de propriedade, de modo que o pretor criou uma ação (exceptio) que paralizava a reivindicação feita pelo proprietário quiritário até que o novo proprietário adquirisse o bem por usucapião. Como esse tipo de propriedade não permitia que o novo dono protegesse a coisa contra terceiros, o pretor concedeu a Ação Publiciana, que considerava, por ficção, que o prazo do usucapião já havia ocorrido.
3. Propriedade de Terrenos Provinciais: Embora os terrenos provínciais fora da península itálica fosse de propriedade do Estado, o gozo desses terrenos era garantido a particulares por meio de uma concessão semelhante à propriedade.
4. Propriedade de Peregrinos: Aqueles que não eram cidadãos romanos, adquiriam a propriedade de acordo com seu próprio direito, mas os romanos criaram meios processuais para a defesa dessas propriedades.
A Proteção da propriedade se da por meio das actiones in rem que tem como objeto o direito sobre a coisa. Trata-se de ações ordinárias, que terminam com uma sentença definitiva:
1. Reivindicação (Rei Vindicatio): Essa ação protege a propridade nos casos em que há uma lesão total, isto é, busca a restituição da coisa e dos seus frutos. Uma coisa curiosa é que devido à grande dificuldade de se provar a propriedade ela ganhou o apelido de Diabólica, pois era necessario que se fizesse isso em relação a todos os antecessores (o autor deveria demonstrar que comprou o bem do José, que havia ganhado de Maria, que havia comprado de João, e assim por diante).
2. Ação Negatória (Actio Negatoria): Essa ação protege a propriedade nos casos em que há uma lesão parcial e era utilizada pelo proprietário possuidor contra aqueles que violavam parcialmente o seu direito de propriedade sob a alegação de possuir um direito real sobre a coisa (a exemplo da pessoa que entra no terreno da outra alegando que possui o direito decorrente de uma servidão de passagem).
Existem ainda situações nas quais o direito de propriedade é dividido entre mais de uma pessoa, trata-se da Co-Propriedade que pode ocorrer pela vontade das partes ou incidentalmente (no caso de herança em comum, por exemplo). Na co-propriedade a coisa não é dividida entre os co-proprietários, ela pertence, integralmente, a todos eles (No caso de uma casa herdada, cada um dos herdeiros tem direito à casa inteira, não se divide o quarto para um, a cozinha para o outro, etc).
Apesar de possuir o direito à coisa inteira, o direito de propriedade é limitado pelo direito dos outros co-proprietarios, de modo que o co-proprietário tem poder ilimitado sobre a sua parte ideal da coisa (podendo aliená-la, doá-la, etc) mas a disposição da coisa inteira exige acordo unânime ou a tolerância pacífica dos outros co-proprietários.
Em casos nos quais a propriedade de um dos co-proprietários se extingua (no caso da renúncia, por exemplo) a sua parcela ideal da coisa passará a pertencer aos demais (ius accrescendi). Cada um dos co-proprietários tem o direito de vetar a disposição dos outros (ius prohibendi) independente da posição da maioria.
Para desfazer a co-propriedade nos casos em que não houvesse unanimidade, utilizava-se no Direito Romano a actio communi que podia ser proposta a qualquer momento por qualquer um dos co-proprietários. Nesse caso, se a coisa era divisível havia a fragmentação real; caso a coisa fosse indivisível ocorria a adjudicação a quem oferecesse o maior lance, sendo paga, em dinheiro, a parte que coubesse a cada um dos co-proprietários.
Fontes:
> MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
> Anotações das aulas de Direito Romano, ministradas pelo prof. Hélcio M. F. Madeira, na FDSBC, em 2006.
Muito bom esse artigo, me esclareceu muita coisa. Uma escrita simples, porém, bastante explicativa.