Disregard of Entity

Tenho tentado acompanhar, embora nem de longe tenha tempo ou habilidade para isso, o que está acontecendo em relação à situação dos trabalhadores da “Fris Moldu Car”. Trata-se de uma empresa, situada em São Bernardo do Campo, cujos funcionários estão já há algum tempo em greve, em virtude do atraso de salários, não pagamento de décimo terceiro, entre outros. Quem mora perto ou passa por la, pode ver todos os dias os trabalhadores acampados na porta da empresa, e eu particurlamente me sinto preocupada com a situação dessas pessoas, e fico na expectativa de que o Direito possa resolver essa questão e ajudá-los.

Justamente por isso, fiquei bastante satisfeita quando li no Diario do Grande ABC que o TRT havia proferido uma decisão considerando legitima a greve e ordenando o pagamento dos valores devidos. Como o artigo mencionava que seriam bloqueados os bens da empresa, dos proprietários e dos administradores, me veio à cabeça imediatamente o instituto da despersonalização da pessoa jurídica (disregard of entity), que eu havia estudado no ano passado.

A primeira coisa que eu quis fazer foi testar os meus conhecimentos, então fui procurar esse acórdão para verificar se os fundamentos disso eram os mesmos que eu havia pensado. Demorou bastante para achar, porque o sistema de busca do site do TRT 2ª região (SP) não é muito abrangente, e procurando apenas por “fris” no site, não encontrei nada. Emfim, depois de fuçar na internet e fazer algumas perquisas no google, consegui descobrir o numero do processo e acessar o acórdão.

Eu estava certa, e essa parte da decisão estava mesmo fundamentada no art. 50 do C.C. que trata da teoria da despersonalização. Eu, partircularmente, acho muito interessante esse instituto, como uma maneira de o direito alcançar algo mais proximo da justiça, afinal de contas, estou cansada de ouvir as pessoas dizerem que de nada adianta entrar com um processo trabalhista, pois o proprietario simplesmente vende tudo, muda para outro lugar e abre outra empresa. Essa é uma maneira de responsabilizar os proprietarios pelos seus atos lesivos.

Neste sentido, o fundamento da juiza relatora foi o seguinte:

… a responsabilização dos administradores, especialmente do Sr. José Roberto Ferreira Riviello, que detém plenos poderes, o que já foi acima explicitado, devendo o mesmo responder patrimonialmente quanto aos efeitos desta ação. Invoco em respaldo, com fulcro no parágrafo único do art. 8º da CLT, as seguintes disposições do Código Civil:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

(…)

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.

Art. 989. Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer.

Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.

Assim, acho importante ressaltar a existência de mecanismos no nosso ordenamento jurídico para a efetiva condenação pelos danos causados a outros, mesmo em situações nas quais os responsáveis estejam protegidos por uma personalidade jurídica.

Por fim, e voltando um pouco mais à minha vida pessoal, eu tenho pensado bastante ultimamente no fato de Direito Civil estar se tornando uma das minhas matérias favoritas bem como a sua relação com as outras matérias. Talvez seja por o nosso código estar revestido de uma porção de princípios, que são a parte que eu mais gosto em todas as areas do direito; talvez seja porque as aulas de civil são muito boas. De uma maneira ou de outra, foi algo que me surpreendeu, pois eu realmente não esperava gostar dessa matéria.

# NOTAS:

1. A decisão do TRT citada é relativa ao PROCESSO SDC Nº 20264.2006.000.02.00-2. Para consultar é preciso entrar no site do TRT da 2ª região > depois clicar em Magistrados > Consultas. Na tela que vai abrir clique em “acórdãos” > “SDI/SDC”. No campo “Origem” selecione “SDC”; em processo, digite o numero do processo (apenas os numeros, sem pontos: 20264200600002002); clique em “pesquisa”. Vai aparecer uma nova tela, com o segunte numero de acórdão: 2007000715; selecione e clique em “pesquisa”. Pronto! Em seguida vai aparecer a integra do acórdão.

2. Há um artigo curto, no Jus Navegandi, que trata do instituto da despersonalização no direito do trabalho.

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3 Responses

  1. Jonny says:

    Caracas… realmente o google tem tudo :)

    E Pelo que parece a justiça brasileira está começando a utilizar bem a informática, não?

  2. Rogee says:

    Olha, gostei da suas apostilas…muito bem explicadas…..nota 10

  3. somente para atualização do assunto até 23 de janeiro de 2011 os funcionários da fris ainda não receberam nada e pior que isto mesmo consultando o sindicato da cut que deu inicio e é o dono do processo nada sabem informar apenas que depende da decisão do juiz gercino de São Bernardo do campo que em 2007 decidiu pela recuperção judicial da empresa e até onde eu sei em nada evoluiu

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